DA INCOMPETÊNCIA DO CONFEA EM REGULAMENTAR SOBRE ATIVIDADES E COMPETÊNCIAS PROFISSIONAIS
A regulamentação, pelo Confea, de atribuições de competências através de resoluções necessita ser analisada com os devidos enfoques em vista de diversas manifestações da Justiça a respeito da ilegalidade desses normativos quando tratam deste tema.

Incialmente, crê-se ser importante a conceituação, no contexto tratado, das expressões “atribuição “ e “competência” que, embora sejam aceitas como sinônimos uma da outra na linguagem coloquial e em muitas peças doutrinárias e normativas, podem assumir significados diversos quando empregados no Direito Administrativo.

Tal cuidado é recomendável para se dotar de segurança jurídica os normativos editados por este Conselho Federal.

Em uma publicação da Escola Superior do Ministério Público da União - Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 8 – n. 30/31, p. 11-49 – jan./dez. 2009 – cita-se:
“Maria Helena Diniz (2005) apresenta explicação mais exaustiva e sistemática desses vocábulos. No que interessa a este estudo, assim ela define atribuição:

1. Direito administrativo. Ato de conferir, ao titular de um cargo ou função pública, competência para exercer suas atividades ou poder específico para tomar conhecimento ou não de algum assunto administrativo. [...]

E assim define competência:

[...] 2. Direito administrativo. a) Aptidão de uma autoridade pública para a efetiva de certos atos; b) poder conferido a um órgão ou funcionário público para o exercício de determinados atos ou para apreciar e resolver certos assuntos.”

Tem-se como vantajoso a adoção dos conceitos acima, com as necessárias adequações em relação aos profissionais regulamentos pelo Sistema Confea/Crea. 

Assim, entenderemos a expressão atribuição como o ato de se reconhecer competências e reservaremos ao vocábulo competência o significado de aptidão, capacidade ou direito de atuação.

Seguindo tal raciocínio,  atribuição nada mais é que um procedimento de se registrar o direito que o profissional tem de exercer uma determinada atividade em um campo de atuação para o qual ele tem competência. 

No caso, só se pode referir-se à  competência legal e não à competência técnica.

Quem exerce atividades além de sua competência legal, responde penal ou civilmente pelas suas ações, mesmo que desenvolvidas com eficiência. Cumpre-se o que a lei determinar, não parecendo ter o Confea competência para dispor sobre competências legais.

Quem exerce atividades além de sua competência técnica, independentemente de currículo escolar, responde administrativamente pelas suas ações, quando desenvolvidas com imperícia, imprudência ou negligência. Cumpre-se o que o Código de Ética determinar.

Em outras palavras, o procedimento de atribuição ou é previsto na lei ou é uma concessão administrativa fundamentada em disposição legal. Por isto é que campos de atuação profissional, e nem atividades, não podem ser regulamentados por meio de resoluções. Eles têm que estar na lei que regulamenta cada profissão.

Para apoiar o raciocínio exposto, cita-se algumas decisões judiciais:
1. Processo n.º 0030355-35.2004.4.01.3800 (1) 

Conselhos profissionais não podem editar normas que restrinjam o exercício da atividade de seus afiliados.

2. APELAÇÃO CÍVEL N. 2002.34.00.006739-4/DF  

Acrescenta-se o fato de que, como ato hierarquicamente inferior ao Decreto Federal 23.569/33, não pode a Decisão Normativa 070/2001, do CONFEA, limitar o exercício da profissão de Engenharia Civil, vez que somente a lei em sentido estrito pode impor cerceamentos.

3. PROCESSO Nº  : 2006.34.00.026625-8 

CONFEA e CREA's não podem reduzir as atribuições dos Técnicos Agrícolas.

(...) Por sua vez, mostra-se desarrazoado o argumento do impetrado de que não há adequada capacitação técnicas dos técnicos agrícolas de nível médio para o exercício das atividades atribuídas pela legislação, bem como extrapola, a meu ver, a competência do conselho profissional, pois em análise da legislação supramencionada, não é da competência ou função do conselho profissional o exame dos currículos dos técnicos agrícolas...

4. Processo 2007.33.00.4473-9 / 10ª Vara JF P1ª Instância – Seção Judiciária da Bahia.

Nisso, convém ressaltar que é atribuição dos réus a fiscalização do exercício profissional e não o exame do currículo do curso de Urbanismo para fins de aferição de sua adequação/deficiência do exercício da profissão, nem tampouco a análise de sua atividade docente e composição curricular.

5. Processo n.º 0030355-35.2004.4.01.3800  - Tribunal Regional Federal da 1.ª Região

O relator, juiz federal convocado Wilson Alves de Souza, concordou com os argumentos apresentados pelo apelante. “A Resolução Confea 218/73 não poderia ter extrapolado os limites impostos pela Lei 5.194/66 e pelo Decreto 23.569/33, para restringir o rol de atividades exercidas pelos engenheiros eletricistas”, explicou. 

O magistrado destacou em sua decisão entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de que “a competência dos conselhos profissionais para editar o regimento interno e suas resoluções não é ilimitada nem deve ser interpretada literalmente, porquanto esses órgãos estão subordinados à lei e não possuem poderes legislativos, ou seja, não podem criar normatividade que inove a ordem jurídica”.

No caso específico da Resolução 1010/2005, há ainda a considerar a questão do vício formal, visto a mesma ter sido aprovada com quórum desqualificado, através da Decisão Plenária 0646/2005 de 22 de agosto de 2005, por conter conselheiros em número superior ao legalmente permitido.
1. APELAÇÃO CÍVEL N. 2002.34.00.006739-4/DF-  

Primeiramente quanto à existência de vício formal da decisão normativa impugnada, verifica-se que em virtude da edição da Lei 9649/1998 o Confea fora transformado em entidade privada, na forma do artigo 58 do referido diploma legal.
(...)
Entretanto, em 25 de fevereiro de 2000, fora concedida liminar nos autos da Ação Direta de inconstitucionalidade 1.717 para suspender a execução e aplicabilidade do artigo 58 da lei 9649/1998. 
(...)
Por consequência fora mantida a natureza jurídica de autarquia federal do Confea e mantida a organização do conselho profissional na forma regulada pela Leis 5.194/66 – que em seu artigo 29 prevê que o órgão será constituído por 18 (dezoito) membros. Posteriormente à publicação da Lei 9.649/1998 o Confea promoveu o aumento do número de conselheiros do Conselho Federal e manteve a estrutura organizacional ampliada mesmo após a decisão do supremo Tribunal nos autos da ADIN 1717.

Outra abordagem quanto à competência do Confea  em regulamentar atribuições de competências através de seus normativos é a análise da própria Lei 5.194/66.

Para tanto, apresenta-se abaixo uma compilação sobre as resoluções que podem ser editadas pelo Confea, conforme previsão legal, chamando a atenção que algumas das previstas são consideradas inconstitucionais, conforme já visto nas decisões anteriormente citadas.
Resoluções previstas pela Lei 5.194/66:

Art. 20. Os profissionais ou organizações de técnicos especializados que colaborarem numa parte do projeto, deverão ser mencionados explicitamente como autores da parte que lhes tiver sido confiada, tornando-se mister que todos os documentos, como plantas, desenhos, cálculos, pareceres, relatórios, análises, normas, especificações e outros documentos relativos ao projeto, sejam por eles assinados.

Parágrafo único. A responsabilidade técnica pela ampliação, prosseguimento ou conclusão de qualquer empreendimento de engenharia, arquitetura ou agronomia caberá ao profissional ou entidade registrada que aceitar esse encargo, sendo-lhe, também, atribuída a responsabilidade das obras, devendo o Conselho Federal dotar resolução quanto às responsabilidades das partes já executadas ou concluídas por outros profissionais.
 
Art. 27. São atribuições do Conselho Federal:

f) baixar e fazer publicar as resoluções previstas para regulamentação e execução da presente lei, e, ouvidos os Conselhos Regionais, resolver os casos omissos;

Art. 59. As firmas, sociedades, associações, companhias, cooperativas e empresas em geral, que se organizem para executar obras ou serviços relacionados na forma estabelecida nesta lei, só poderão iniciar suas atividades depois de promoverem o competente registro nos Conselhos Regionais, bem como o dos profissionais do seu quadro técnico.

§ 3º O Conselho Federal estabelecerá, em resoluções, os requisitos que as firmas ou demais organizações previstas neste artigo deverão preencher para o seu registro.

Também, cabe ser comentada a questão da análise curricular para efeito de reconhecimento de competências para as profissões regulamentadas desde os decretos editados em 1933.

Já foi visto que decisões judiciais não reconhecem competência ao Confea para decidir quanto as aptidões para exercício de atividades em campos de atuação profissional além do previsto dos textos legais.

Com relação a esta questão de análise curricular, vale salientar aqui que a exigência contida no Art. 29 do Decreto 23.569/33 foi dirigida especificamente para os profissionais, diplomados ou não, que atuavam no mercado na data da publicação do decreto. Portanto, tal exigência não se aplicava aos profissionais graduados a partir de então.

Pode-se concluir, portanto, que a análise curricular, para efeito de atribuições de competências e atividades, não tem sustentação legal desde a edição do citado decreto para os profissionais graduados na sua vigência.

Por último, em vista da iminência de ser aprovada nova resolução que revogará Resolução 1010 com a aprovação do anteprojeto 001/2015 e, com isso, ficar caracterizado o reconhecimento dos efeitos da mesma pelo Confea até a data da sua revogação, o que ocasionará prejuízos irreparáveis para os profissionais aqui representados, é de nosso interesse que tal projeto seja retirado de pauta.

Em verdade, há necessidade de se corrigir um erro drástico e histórico que é o de se editar resoluções para dispor sobre atividades e competências o que é matéria de reserva legal, conforme já expresso em diversas sentenças judiciais.

Nos registros dos profissionais, não cabe consignar, a respeito de atribuições de competências e atividades, nada além de que as mesmas são as previstas nos decretos-leis de 1933 para a engenharia e a agronomia, complementadas pelo disposto na Lei 5194/66. Não devendo, portanto, ser citada nenhuma resolução a respeito.

Os desvios no exercício da profissão, sejam por atos ímprobos, notória incapacidade ou exacerbação de competências devem ser, mais apropriadamente, tratados por um moderno, eficiente e eficaz código de ética.

Que sejam sepultadas todas as resoluções atualmente existentes sobre atribuições de competências e atividades e que sejam sustadas definitivamente todas tentativas de edições de novas resoluções sobre o assunto. Fiquemos apenas na Lei.

É como penso.

 
CITAÇÕES

1 - Conselhos profissionais não podem editar normas que restrinjam o exercício da atividade de seus afiliados

A 5.ª Turma Suplementar do TRF da 1.ª Região reconheceu a um engenheiro eletricista o direito de obter o Registro de Responsabilidade Técnica (RRT) como técnico pelos serviços de instalação e manutenção em sistemas de ar condicionado, nos termos do art. 33, alínea “f”, do Decreto 23.569/33. A decisão foi tomada após a análise de recurso apresentado pelo engenheiro contra sentença proferida pela 16.ª Vara Federal de Minas Gerais. 

O recorrente sustenta que a Resolução 218/73 do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) não pode ter efeitos retroativos para atingir situação já consolidada por força do art. 33 do Decreto 23.569/33, que autorizava o engenheiro eletricista a exercer atividades relativas à instalação de ar condicionado. 

Ressalta, ainda, a parte autora, ter se registrado no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais (CREA/MG) antes mesmo do advento da Resolução 218/73, além de possuir documento expedido pelo referido CREA/MG nos idos de 1996, reconhecendo a sua competência para as atividades relacionadas à instalação de ar condicionado. 

O relator, juiz federal convocado Wilson Alves de Souza, concordou com os argumentos apresentados pelo apelante. “A Resolução Confea 218/73 não poderia ter extrapolado os limites impostos pela Lei 5.194/66 e pelo Decreto 23.569/33, para restringir o rol de atividades exercidas pelos engenheiros eletricistas”, explicou. 

O magistrado destacou em sua decisão entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de que “a competência dos conselhos profissionais para editar o regimento interno e suas resoluções não é ilimitada nem deve ser interpretada literalmente, porquanto esses órgãos estão subordinados à lei e não possuem poderes legislativos, ou seja, não podem criar normatividade que inove a ordem jurídica”. A decisão foi unânime.  
(Processo n.º 0030355-35.2004.4.01.3800, Data de julgamento: 26/11/2013 Publicação no diário oficial: 04/12/2013 Assessoria de Comunicação Social Tribunal Regional Federal da 1.ª Região.)
publicado em 17/02/2016
Valter S. M. Sarmento
Engenheiro Civil – CREA-BA 4874D
Vice-presidente da ABENC Nacional
 

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